Droga não é assunto do Direito Penal

Há monopólios de tabaco e álcool em muitos países. Em países como Suécia, Noruega, Finlândia, há monopólio de álcool e está funcionando – pelo menos não há guerras de gangues e milhares de mortos. As pessoas consomem, mas também há atendimento do sistema de saúde. Nunca vamos ter um sistema de consumo de drogas sem fatalidade. É preciso chegar aos problemas sérios, que às vezes são mentais e psicológicos. Esse problema da violência sem limites é artificial e pode ser evitado. É preciso ter uma visão mais clara, empírica e pragmática, tirar um pouco da ideologia. As pessoas têm o direito de fazer com as próprias vidas o que quiserem.”

Ele instigou os participantes do encontro teuto-brasileiro de política criminal, realizado no mês de julho, na cidade de Foz do Iguaçu, pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar). O criminólogo alemão Sebastian Scheerer, admirado por muitos após conduzir no ano de 2011 um curso em Hamburgo com a participação de magistrados paranaenses, também falou ao jornal paranaense Gazeta do Povo.

Encontro Teuto-Brasileiro de Política Criminal, realizado em Julho de 2012, em Foz do Iguaçú, pela AMAPAR - Associação dos Magistraedos do Paraná.

Na sua estada em Foz, durante o evento da Amapar, ele evidenciou o debate em torno da política das drogas. “Droga não é assunto do Direito Penal”, criticou Scheerer, como demonstrou o título que estampado no periódico paranaense. Simpático, humilde e orientador, o professor Sebastian Scheerer faz a magistratura refletir em torno de tabus que hoje permeiam debates em congressos, redes sociais e demais ambientes de política propulsora. “Em países da Europa, como também no Canadá e na Austrália, há uma tendência de ver a questão das drogas mais como problema social e menos como um problema do Direito Penal”, assegurou Sebastian.

Drogas e legislação

“A lei antidrogas é basicamente a mesma no mundo inteiro. Há legislações nacionais que se referem a convenções internacionais assinadas por todos os países do mundo. Há um espaço de manobra, ou seja, brechas pequenas, que alguns países utilizam mais do que outros. Por exemplo, em relação aos coffee shops da Holanda. Há 15 anos, o International Narcotics Control Boards, órgão das Nações Unidas, cita em seu relatório anual que a Holanda precisa voltar à legalidade porque assinou a convenção, a última delas realizada em 1988”

Combate

“A ideia da redução de danos não é recente, vem dos anos 80, 90, mas é algo muito lento, bem devagar. Nos países europeus há uma tendência de desdramatizar a questão, tendo em vista que, diferente do que pensávamos, as drogas não necessariamente levam à morte da pessoa. Tem pessoas que utilizam as drogas e não são diferentes das outras pessoas da sociedade. Elas têm família, trabalho e uma vida tão produtiva quanto a de outras pessoas. Então não precisa combater as drogas em um sentido eliminatório, como as convenções querem”

Estado de Direito

“Enquanto jurista, sempre vi uma contradição entre os princípios da legalidade e os princípios do Direito Penal no qual se diz que só se pode penalizar um ato que faz mal a uma outra pessoa. Se você só consome uma droga que pode fazer mal para você mesmo, é como eu comer muita manteiga e aumentar o colesterol e ter um piripaque…Mas isso não é coisa para Direito Penal. É informação para a saúde. E drogas, ao final das contas, deveriam ser mais um assunto para conselheiros de saúde, de informação, da saúde pública, da saúde da família. O instrumento do Direito Penal é para quem assassina, mata, fere a integridade do outro. É preciso diminuir os sofrimentos, os danos e ajudar as pessoas e não colocar milhares de pessoas na prisão onde irão piorar a saúde, a moral e ter um sofrimento desnecessário. E um Estado que cria um sofrimento desnecessário não é um Estado a serviço dos seus cidadãos. É um Estado a serviço de si mesmo, onde classes superiores querem ser livrar de classes baixas. Isto não é como deve ser o Estado de Direito. O Estado de Direito é de cada cidadão”

Drogas e crimes

“Não é que a droga instiga automaticamente a violência nas pessoas, muitas vezes os assassinos e integrantes do crime organizado não são necessariamente viciados, são homens de negócio, e o negócio deles tem uma particularidade, ou seja, o não acesso à justiça. Se você compra na Colômbia 10 quilos de cocaína e eles só te entregam cinco quilos, você não pode recorrer à justiça. Então para o mercado negro e o crime organizado que não têm acesso à justiça, só há um método, que é a vingança. Isso é uma questão de economia ilegal. Os norte-americanos pagam qualquer preço pela cocaína, uma droga barata na produção, mas com alto custo no consumo. Há muita concorrência entre grupos fornecedores e eles têm muitos conflitos resolvidos por meio da violência. Este tipo de situação já ocorreu na proibição do álcool, nos Estados Unidos. A máfia moderna nasceu porque o consumo e a importação de álcool foi proibido de um dia para outro. Mas os norte-americanos não pararam nem de importar, consumir ou distribuir. Tudo ficou no subterrâneo da vida ilegal e criou uma estrutura da máfia que mata. Isso acontece hoje no setor das drogas ilegais. Nos Estados Unidos, a tentativa de proibir o álcool fracassou. Eu acho que poderíamos salvar muitas vidas se alterássemos o mercado das drogas, da proibição para a regulação.

Descriminalização

“Descriminalizar o uso das drogas seria muito importante para o Estado de Direito, que seria um Estado de respeito à liberdade da pessoa que não contribuiria com a miséria. A produção e a distribuição precisam ser tiradas do mercado negro, ou por via do monopólio estatal ou por via da descriminalização. Eu estou estudando esses modelos e há muita gente pensando nisso. Só que ainda há muito preconceito”

Alemanha

“Nós temos aliviado bastante o problema, especialmente a demanda. Há uma distribuição via sistema de saúde pública. Os viciados recebem heroína, metadona. Já no mercado de maconha não há muito enfoque. De uma forma geral, não há muita repressão. Não é prioridade da polícia e da procuradoria reprimir. Há muito mais trabalhos sociais, centros de atendimento e esclarecimento sobre os riscos”

Fonte: Entrevista concedida a Rômulo Cardoso, editor da Revista Novos Rumos, publicação oficial da Associação dos Magistrados do Paraná e Judicemed, edição nº 176, 2012.

Comments ( 2 )

  • Edna

    Excelente. Gostaria de receber uma cópia por e mail.

  • nelson

    Excelente artigo. Não necessariamente temos que aceitar essa ideia, mas devemos, no mínimo, entendê-la. Há várias correntes que dizem ser a liberação das drogas motivo de um caos social. Já outras, como a descrita nesta artigo que são a favor da liberação controlada de psicotrópicos. Pensemos….

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