http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR70552
Esse é, a propósito, o traço distintivo do Projeto, com ou sem revisão: todo e qualquer aparente avanço é imediatamente anulado por uma medida draconiana – por todas, o aumento do tempo necessário para progressão de regime na execução da pena privativa de liberdade, que passa de um sexto para um quarto da pena, mesmo para réus primários em crime doloso.
Da mesma forma, se, por um lado, o Projeto propõe abolir a lei de contravenções, por outro, transforma em crimes a “exploração de jogos de azar” e a “perturbação do sossego”, o que é simplesmente irracional.
O caráter meramente retórico da tentativa de democratização do sistema penal, anunciada como propósito do Projeto de Lei, é igualmente visível na ampliação do rol dos crimes hediondos, no irresponsável desrespeito à proporcionalidade entre penas, bens jurídicos e graus de lesão descritos nos tipos legais; no retrocesso quanto aos casos de descriminalização do aborto; no aumento da pena de quase todos os crimes; na eliminação da prescrição pela pena em concreto depois de transitada em julgado a sentença para a acusação; na exclusão da circunstância atenuante especial (hoje prevista no art. 66 do Código Penal); ao impedir a combinação de leis mais favoráveis; ao eliminar a diminuição de pena para fato dolosamente distinto; ao restaurar a antiga categoria da multa temerária, que é tipicamente de direito civil; ao adotar no tocante ao erro a teoria extrema da culpabilidade, já abandonada pela doutrina jurídica universal desde 1975; ao aumentar o valor do dia-multa, considerando que para isso o valor máximo de referência será de 720 dias e não 360; ao abolir a distinção entre reclusão e detenção e de institutos democráticos como o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, teses defendidas sem qualquer prognóstico realista sobre suas consequências humanas e financeiras.
Mas, esforçando-se para soar suficientemente “contemporâneo” e fugir de seu paradoxal anacronismo, o Parecer defende adiante a criação de “novos crimes”, tão desnecessários quanto caricatos, em mais uma demonstração de vulgar adesão ao populismo penal. Assim, diante dos delitos de “stalking”, “bullying”, “corrupção entre particulares” e “crimes cibernéticos” não parece desarrazoado supor o predomínio da vontade de atrair atenção midiática em detrimento do propósito real de efetivamente atualizar o ordenamento jurídico-penal. Nem isso se conseguiu.
Em conclusão, considerando que nenhum avanço eventualmente trazido pelo texto justifica os gravíssimos erros e retrocessos que endossa, aqueles que insistirem em sua tramitação e eventual aprovação prestarão um verdadeiro desserviço à democracia e à ciência jurídico-penal.
Logo, este manifesto, abaixo assinado e abraçado pelo sempre combativo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, não se resume à declaração de inconformismo com um projeto de lei autoritário por parte de juristas politicamente comprometidos com democracia, reunidos para homenagear um dos maiores expoentes na defesa de um Direito Penal submetido à razão e coerente com a promoção dos direitos fundamentais. À sombra dos 50 anos do golpe militar, esta declaração pública de repúdio ao absurdo codificado também estende um convite a todos os criminalistas brasileiros, para que resistam intransigentes à escatológica possibilidade de ceder a mais essa tentação punitiva que se gesta no Congresso Nacional: este Código não é digno do povo brasileiro.
Rio de Janeiro, 21 de março de 2014
Juarez Tavares (UERJ)
Juarez Cirino dos Santos (ICPC)
Nilo Batista (UERJ)
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR)
Geraldo Prado (UFRJ)
Maurício Dieter (USP)
Sergio Verani (UERJ/Diretor Geral da EMERJ)
Jacson Zilio (MPPR)
Antonio Martins (Uni-Frankfurt)
Ulfrid Neumann (Uni-Frankfurt)
Dirk Fabricius (Uni-Frankfurt)
Sebastian Scheerer (Uni-Hamburg)
Rubens Casara (TJRJ/IBMEC)
Marcelo Semer (TJSP)
Alexandre Morais da Rosa (TJSC)
Ana Elisa Bechara (USP)
Cezar Roberto Bitencourt (Advogado)
Leonardo Yarochewsky (PUCMG)
Vera Regina Pereira de Andrade (UFSC)
Salo de Carvalho (UFSM)
Marcio Sotelo Felippe (Ex-Procurador Geral do Estado de São Paulo)
Pedro Estevam Serrano (PUC-SP)
Amilton Bueno de Carvalho (TJRS)
Katie Arguello (UFPR)
Ademar Borges (UNB)
Alexandre Mendes (UERJ)
Patrick Cacicedo (DPSP)
Fauzi Hassan Choukr (MPSP)
Isabel Coelho (TJRJ)
Fernanda Tortima (OABRJ)
Reinaldo Santos de Almeida Júnior (UFRJ)
Luis Greco (Uni-München)
Alaor Leite (Uni-München)
Patrícia Kettermann (DPRS)
Tiago Joffily (MPRJ)
Marcos Peixoto (TJRJ)
Felipe Caldeira (Advogado)
Antônio José Pêcego (TJMG)
Maria Lucia Karam (LEAP)
Denis Sampaio (DPRJ)
Carol Proner (UFRJ)
Bartira Macedo de Miranda Santos (UFG)
Christiano Fragoso (UERJ)
Heloisa Estellita (FGV)
Bruno Cava (UERJ)
Alexandre Leite (TJRJ/EMERJ)
Leonardo Costa de Paula (UCAM)
Antônio Pedro Melchior (IBMEC)
Kenarik Boujikian (AJD- presidente)
José Henrique Torres (AJD-PUCCAMP)
Alexandre Mallet (UCAM)
Davi Tangerino (UERJ)
Mariana Sousa Pereira (Advogada)
Antonio Sergio Altieri de Moraes Pitombo (Advogado)
Luciano Cirino dos Santos (Advogado)
Soraya Vieira Gomide (Advogada)
Simone Dalila Lopes (TJRJ)
Julia Thomaz Sandroni (Advogada)
Wadih Damous (Advogado)
Maria Gabriela Peixoto (Advogada)
Gisela Baer (Advogada)
Janine Fernanda Fanucchi de Almeida Melo (Advogada)
Nathalia de Paula Moreira Frattezi (UFMG)
André Lozano Andrade (Advogado)
Gabrielle Stricker do Valle (UFPR)
Jair Cirino dos Santos (MPPR)
Denise Maldonado Gama (PUCMG)
André Vaz (TJRJ)
André B. do Nascimento (Advogado)
June Cirino dos Santos (UFPR)
Ellen Rodrigues (UFJF)
Caio Patricio de Almeida (UNICURITIBA)
Ricardo Krug (UNICURITIBA)
Elisa Blasi (PUCPR)
Wanisy Roncone Ribeiro (Advogada)
Leomar Wittig (Advogada)
Carlos Eduardo Machado (Advogado)
Luiza Labatut (MPPR)
Carla Viana (DPRJ)
Fernando Augusto Fernandes (Advogado)
Vitor Barra Veiga (Advogado)
Marcia Dinis (Advogada)
Lourinelson Vladmir (Advogado)
Priscila Pedrosa (Advogada)
Mayra Cotta de Souza (UNB)
Ana Carolina Andrade Carneiro (DPU)
Michel Asseff (Advogado)
Ana Cláudia Pinho (MPPA)
Patrick Mariano Gomes (RENAP)
Giane Ambrósio Álvares (RENAP)
Thiago Araujo (Advogado)
Lucas Sada (Advogado)
Frederico Figueiredo (UFRJ)